Conselho da AES Tietê rejeita oferta para ser incorporada à Eneva
FONTE: Valor Econômico
Geradora está aberta a uma contraproposta, mas diz que racional estratégico do negócio seria entrave
O conselho de administração da AES Tietê decidiu, por unanimidade, ontem, rejeitar a proposta de combinação de negócios feita pela Eneva. “Estamos rejeitando, em linhas gerais, por não ter nenhum ‘fit’ estratégico e porque as condições econômico-financeiras não são benéficas para os acionistas da Tietê”, afirmou ao Valor Julian Nebreda, presidente do conselho da geradora.
O executivo fez duras críticas à oferta que ele classifica como “hostil”, mas afirma que a Tietê está disposta a ouvir uma contraproposta se houver abertura para modificações na estrutura legal e nas condições financeiras do negócio – que, em sua visão, hoje, favorecem unicamente os acionistas da Eneva. “Mas o racional estratégico ainda seria um problema”, acrescenta.
Apresentada em 1º de março, antes da deterioração das condições de mercado por causa da pandemia da covid-19, a oferta da Eneva envolve a incorporação da AES Tietê em uma combinação de ativos avaliada em R$ 6,6 bilhões – cerca de R$ 2,7 bilhões pagos em dinheiro, e o restante, em participação na nova empresa. Se consumada, a operação poderia criar uma das maiores geradoras de energia de capital privado predominantemente nacional, com capacidade instalada de 6,1 mil megawatts (MW) e faturamento anual de R$ 5 bilhões.
A partir das análises de assessores contratados para avaliar a proposta, o conselho de administração concluiu que a geradora estaria “retrocedendo” na estratégia de avançar em energias renováveis se aceitasse a fusão com a Eneva, cujo portfólio é constituído basicamente de térmicas a gás natural e a carvão. Na visão da empresa, o perfil da Eneva Eneva está na contramão da tendência mundial de busca por negócios sustentáveis e alinhados às melhores práticas ambientais.
Nebreda afirma que a operação envolveria cerca de 100 demissões na Tietê, o que “destruiria” o capital humano da companhia e sua capacidade de continuar desenvolvendo projetos renováveis. “Para mim, é uma demonstração clara de que a Eneva não tem a menor ideia do que é gerenciar uma série de ativos renováveis”, opina.
Ainda do ponto de vista operacional, a geradora entende que não há sinergias evidentes para a união de ativos. “O fato de as companhias serem distintas não significa que são um bom encaixe”, diz o presidente do conselho. De acordo com ele, os R$ 3,1 bilhões em criação de valor a acionistas, identificados pela Eneva a partir de um estudo encomendado à Tendências Consultoria Integrada, vem principalmente de uma alavancagem financeira da Tietê, algo que a empresa poderia fazer sem se aliar à Eneva.
Já sob a ótica financeira, Nebreda defende que a operação subavalia a Tietê e não cumpre o mínimo para ser atrativa a seus acionistas, ao mesmo tempo em que supervaloriza a Eneva. “O que querem pagar não representa o valor intrínseco e nem o valor potencial. Está muito longe”, diz ele.
“Se a Eneva quiser pagar o valor da Tietê, nós do conselho achamos que ela deveria oferecer um pagamento em dinheiro aos acionistas que não gostarem da proposta, para que eles possam ir embora e investir em outro negócio, não fiquem em uma empresa ainda com visão dos ano 70. Um dos assuntos que vamos discutir vai ser esse”, apontou Nebreda. Ele não detalha, porém, quais opções o conselho julga mais adequadas para tratar da questão dos minoritários. “A Eneva que tem que reagir”.
O executivo criticou ainda a estrutura legal da proposta que, segundo ele, permitiria à Eneva desistir do negócio a qualquer momento se não obtiver “waiver” de todos os debenturistas da Tietê, sem pagar multa. Também não há prazo para fechamento da operação, de forma que a Tietê ficaria “amarrada” e sujeita a restrições por tempo indeterminado, diz Nebreda.
O conselho de administração da geradora se comprometeu a convocar uma assembleia geral extraordinária (AGE) após analisar a oferta final da Eneva. Mas aos conselheiros cabe apenas recomendar ou não a operação, e, na prática, a posição do controlador pode ser vencida por minoritários preferencialistas na reunião. Isso porque a Tietê é listada no Nível 2 de governança da B3, o que dá direito de voto aos acionistas detentores de papéis preferenciais em alguns casos, como o de propostas de aquisição.
Um acionista relevante, que poderá determinar os rumos da operação, é o BNDES. O banco é o maior em capital total da Tietê – com 28,33%. A AES Holdings Brasil, subsidiária da AES Corporation, que controla a companhia, tem 24,28%. O BNDES chegou a se reunir com executivos da AES no início de março para tratar do caso, mas, na época, o banco ainda não tinha posicionamento formado. Se a fusão avançar, nos moldes da Eneva, a Cambuhy Investimentos (dos Moreira Salles) e o BTG Pactual, acionistas da Eneva, terão 17,8%, cada um, da empresa combinada. A AES ficaria com 5,5%, o BNDES, 6,5%, e a Eletrobras, 1,8%. Não haveria controlador definido.