UPGNs: porta de entrada ou gargalo?

FONTE: Brasil Energia

Gasoduto que interligará Rota 3 à malha de transporte da NTS está previsto para começar a operar em fevereiro de 2023; NTS já iniciou oficialmente o processo de elaboração da chamada pública para locação da capacidade do gasoduto Itaboraí-Guapimirim

Em seu Plano Decenal de Energia (PDE) 2030, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mapeou cinco novas UPGNs indicativas, das quais quatro no litoral do Sudeste para processar o gás do pré-sal e outra na Bacia de Sergipe-Alagoas. A avaliação é que haverá necessidade de ampliar a capacidade de processamento de gás no horizonte de 2021 a 2030, quando a produção nacional líquida atingirá 140 milhões de m³/dia.

Hoje, o Brasil tem capacidade para processar cerca de 100 milhões de m³/dia de gás natural. São 15 UPGNs, todas da Petrobras, à exceção da unidade que processa o gás da Alvopetro, na Bahia, cuja capacidade autorizada é de 500 mil m³/dia. Já as unidades da Petrobras concentram mais de 95% da capacidade nacional instalada, sendo 68% no Sudeste.

Segundo dados obtidos pela Brasil Energia via Lei de Acesso à Informação, as unidades de Caraguatatuba (SP) e Cabiúnas (RJ) – que processam o gás das Rotas 1 e 2, respectivamente – operaram nos últimos sete meses com fator de utilização (FUE) médio de 53% e 79%, nessa ordem. As duas UPGNs são as maiores do país, com capacidade autorizada de 20 milhões de m³/dia e 25,16 milhões de m³/dia. No ano passado, a Petrobras fechou acordo com a Galp, Shell e Repsol Sinopec para compartilhar ambas as unidades, além da UPGN de Itaboraí (RJ), onde desembocará o gasoduto Rota 3.

Outras unidades da estatal operaram com alto fator de utilização desde setembro: Polo de Santiago (em Catu-BA) e Polo de Alagoas (Pilar-AL) operaram com FUE médio de 55,6%, e 64%, enquanto o Polo Urucu (Coari-AM) teve utilização de 93%. A UPGN no Amazonas foi incluída no processo de desinvestimento da Petrobras, junto aos campos produtores de gás Urucu e Urucu Leste. A estatal está negociando a venda dos ativos com a Eneva.

Por outro lado, há ociosidade nas instalações do Polo Reduc (Duque de Caxias-RJ), Polo Sul Capixaba (Anchieta-ES), Polo de Cacimbas (Linhares-ES) e no Polo de Guamaré (Guamaré-RN), cujos FUEs médios entre setembro de 2020 e março de 2021 são de 17%, 15%,  21% e 8%, respectivamente.

O compartilhamento de infraestruturas essenciais, como as UPGNs, está previsto no Termo de Cessação de Conduta (TCC) assinado pela Petrobras com o Cade em julho de 2019. Em abril deste ano, a sanção da nova Lei do Gás deu segurança jurídica ao compartilhamento, com a previsão do acesso de terceiros a essas instalações.

Segundo o vice-presidente de Operações para a América Latina da Enerflex, Mauricio Meineri, “o compartilhamento talvez seja uma opção para uma parte da demanda já existente, mas há outros fatores a considerar”. O executivo cita o crescimento da oferta do pré-sal e do onshore, devido à revitalização de campos maduros, a localização da capacidade ociosa da Petrobras e o perfil do novo gás produzido no onshore, que poderia ser processado com tecnologias mais simples, “assim, os investidores privados irão avaliar se existe uma alternativa mais eficiente para atender esta nova demanda”.

Embora sem nenhuma indicação concreta de investimentos privados na construção de novas UPGNs, o clima geral no mercado é de expectativa. “Outras companhias que não a Petrobras, independentes que estejam com produção ou desenvolvendo sua produção, vão ter que dar uma solução para o gás”, declarou o diretor executivo da Geogas, Paulo Lopes. Para ele, mesmo com o compartilhamento das UPGNs, em algum momento a oferta superará a capacidade existente, levando à necessidade de expansão das unidades ou construção de novas.

“Mesmo com a entrada do Comperj, a própria Petrobras estava com planos de expansão em Caraguatatuba para atender o pré-sal, e a Equinor tem anunciado que vai entregar mais 16 milhões de m³/dia de gás na região de Macaé que precisaria de processamento, nem que seja uma solução no própria FPSO”, listou Meineri.

A licitação para contratação de serviços para a expansão da UPGN de Caraguatatuba (UTGCA) foi cancelada no final do ano passado, quando a Petrobras informou que o projeto havia perdido sua atratividade econômica. A UTGCA opera desde 2011, tendo passado por obras de adequação e ampliação em 2014 para processar o gás do pré-sal, escoado pela Rota 1.

Os projetos para construção de UPGNs não acontecem todos os dias. Segundo Meineri, o processo de maturação de uma UPGN tem sido de pelo menos dois a três anos. “A nossa visão é que vai continuar mais ou menos nessa frequência, não esperamos que o mercado reaja quanto a novas UPGNs com uma frequência diferente dessa”, contou.

Devido a esses projetos serem esparsos, as empresas olham para o mercado internacional. “Aqui, a indústria é de complementação”, declarou Lopes. No Brasil, são realizados os serviços de construção da planta e a fabricação de alguns componentes, como sistemas de medição, vasos e separadores. O executivo ressalta que, como a Geogas é uma empresa pequena, procurou parceiros para o fornecimento de tecnologia – atualmente, a empresa tem sociedade com a estadunidense VME.

De acordo com o diretor da Geogas, a modularização das plantas de processamento é a forma de construção mais moderna atualmente, permitindo ganhos de escala. Os módulos, geralmente importados, são componentes pré-fabricados. Chegando ao Brasil, as empresas realizam a montagem da planta.

Segundo Meineri, o ganho de escala, que nas fábricas da Enerflex na América do Norte permite a construção de até dez UPGNs ao mesmo tempo, se reflete em um menor custo e prazo de implantação. No entanto, o executivo estima que o conteúdo local na construção de uma UPGN varie entre 60% e 70%, mas “depende do caso, se se utilizar uma tecnologia mais complexa, aí provavelmente o percentual de modularização será maior”.

Comperj à vista

O projeto do Comperj, renomeado pela Petrobras de Polo GasLub, atualmente inclui a UPGN de Itaboraí e o gasoduto Rota 3, que escoará a produção do pré-sal. Com o início das operações previsto até março de 2022, com a possibilidade de já começar neste ano, as instalações estão em fase de comissionamento, segundo o diretor-geral do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense (Conleste), João Leal.

O consórcio tem grandes expectativas para a partida do GasLub e seus 21 milhões de m³/dia de gás processados. Na quinta-feira (20/5), apresentou ao secretário e Desenvolvimento, Energias e Relações Internacionais do estado do Rio de Janeiro, Leonardo Soares, um projeto para a implantação de uma usina termelétrica na área do antigo Comperj, que pertence à Petrobras. De acordo com Leal, há conversas entre a estatal e o estado do Rio de Janeiro para a cessão de uso do terreno, que tem uma área de cerca de 11 km² já licenciada e que não está sendo utilizada devido ao redimensionamento do Comperj.

Trata-se de um projeto em fase inicial, cujos potenciais investidores são os grupos internacionais Qatargas, GE Power e Taqa. A térmica deve movimentar investimentos de R$ 2 bilhões.

Há ainda planos para a implantação de fábricas de fertilizantes, considerando o potencial agrícola da região. “Não houve nenhuma conversa oficial com nenhum grupo, mas são premissas muito atraentes: área licenciada, insumo energético e, na região, potencial agrícola. O Leste Fluminense é o celeiro verde do estado, então já teríamos ali um mercado consumidor direto”, ressaltou.

Na mesma reunião, o Conleste apresentou também o programa ProGás, que visa incentivar a instalação de um condomínio industrial na área licenciada do Comperj que utilize o gás natural processado pela UPGN de Itaboraí.

A ideia do Conleste é manter o gás no Leste Fluminense e incentivar a reindustrialização da região. De fato, sem o gasoduto Itaboraí-Guapimirim (GASIG), que conectará o gás seco processado pela UPGN do Polo GasLub à malha de transporte da NTS, será difícil escoar o volume estimado de produção.

Segundo a NTS, há atualmente uma solução temporária para escoar gás da Rota 3 sem o GASIG, “mas ela atende apenas aos volumes iniciais da rota. Existe uma rampa de aumento de gás escoado pela Rota 3 e, aí sim, o GASIG é necessário para poder receber a capacidade plena que está prevista”, informou à Brasil Energia.

Previsto desde 2013, o gasoduto interligará a unidade ao duto Cabiúnas-Reduc III (Gasduc III), operado pela transportadora. Na época, o MME submeteu o gasoduto ao regime de concessão precedido de licitação e determinou que a ANP elaborasse o edital da chamada pública, mais tarde extinto após estudo da EPE identificar indícios de superdimensionamento de investimentos para a construção.

Em dezembro de 2020, o MME publicou portaria revogando o entendimento de 2013 e propondo a ampliação da malha da NTS. A portaria estabeleceu o regime de autorização e informou que o processo de chamada pública será conduzido pela transportadora sob supervisão da ANP.

Procurada, a NTS informou que já iniciou oficialmente o processo de elaboração da chamada pública para locação da capacidade do gasoduto junto à ANP. A estimativa é que a chamada seja concluída no início do segundo semestre de 2022, “já com a contratação da capacidade para iniciar a construção”, conta a transportadora. A expectativa é que o gasoduto já comece a operar em fevereiro de 2023, com capacidade próxima, “em ordem de grandeza”, dos 17 milhões de m³/dia inicialmente previstos. A capacidade final está sendo revisada.

O gasoduto, que será a primeira instalação de transporte construída em mais de uma década, “trará grandes benefícios para o mercado, para o estado do Rio de Janeiro e para o país, uma vez que haverá oferta de uma nova fonte de gás natural para atendimento a novas indústrias e consumidores, além de proporcionar maior segurança no suprimento”, enfatiza a NTS.

Guamaré, o benchmarking para o compartilhamento das UPGNs

O acesso de terceiros à UPGN de Guamaré, no Rio Grande do Norte, ganhou projeção por se tratar do benchmarking para o compartilhamento dessas unidades. Ociosa, a UPGN de Guamaré vem processando nos últimos anos cada vez menos gás, devido ao cenário de desinvestimentos da Petrobras na região.

Segundo dados da ANP, o fator de utilização mensal da unidade variou entre 7% e 19% entre janeiro e dezembro de 2020, permanecendo próxima do menor valor da faixa nos três primeiros meses deste ano. A UPGN chegou a processar 856,7 mil m³/dia de gás em 2010 – 42% de sua capacidade –, mas segue em trajetória de declínio desde então.

Em 2019, com a assinatura do TCC entre Petrobras e Cade, os desinvestimentos da estatal na região e o lançamento do Novo Mercado de Gás, criaram-se as condições para viabilizar o acesso de produtores independentes à unidade. Segundo a diretora-presidente da distribuidora Potigás, Larissa Dantas, as negociações já estavam em andamento no início de 2020, quando o governo do Rio Grande do Norte interviu. A expectativa era ter o acesso à UPGN já no ano passado, para que os novos atores pudessem fornecer gás à distribuidora já a partir de 2021.

Com a pandemia, a previsão foi alterada. Em setembro de 2020, as distribuidoras de gás canalizado do Nordeste lançaram, simultaneamente, suas chamadas públicas para contratação de capacidade. Para a fase de negociação de propostas, a Potigás habilitou a Compass, do grupo Cosan, e a Potiguar E&P – do grupo PetroRecôncavo e operadora do Polo Riacho da Forquilha desde o final de 2019, resultante do desinvestimento da Petrobras.

A Potiguar E&P é uma das empresas que negociam o acesso à UPGN de Guamaré, junto à 3R Petroleum e Sonangol. Atualmente, elas negociam o valor a ser pago pela utilização da UPGN – preço sinalizado pela Petrobras é de US$ 2,4 por milhão de BTU, mas as independentes alegam que o valor cobrado inviabilizaria o negócio, conforme apurado pelo PetróleoHoje. O potencial fornecimento de gás pela PetroRecôncavo à Potigás, a partir de janeiro de 2022, depende do acesso à UPGN de Guamaré.

“A grande consequência [do compartilhamento da UPGN] é, esperamos, uma molécula mais competitiva e uma tarifa mais competitiva de gás natural aqui no estado do Rio Grande do Norte a partir de janeiro de 2022”, disse Dantas em entrevista à Brasil Energia.

A unidade foi incluída pela Petrobras no Polo Potiguar, em desinvestimento desde agosto de 2020. Segundo o secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), Anabal Santos, embora o futuro no pós-venda da UPGN seja pura especulação, a expectativa é que essa transição seja “menos traumática do que tem sido essa longa trajetória para ter acesso a essa unidade de processamento”. Segundo ele, um “contrato justo e adequado” – adjetivos da ANP – facilitará as tratativas com o eventual operador da unidade.

Sem o acesso às UPGNs da Petrobras, que opção resta aos produtores independentes? Construir uma UPGN seria uma delas. Foi essa a decisão da Alvopetro, em 2018, quando firmou um acordo de fornecimento de gás natural com a Bahiagás, distribuidora bahiana, que culminou nas primeiras entregas de gás em julho de 2020. “Na época, estávamos rompendo um paradigma dentro de um contexto de comercialização de gás natural ainda muito restrito”, declararam o presidente e CEO da Alvopetro, Corey Ruttan, e o diretor da petroleira no Brasil, Frederico Oliveira.

A planta da Alvopetro foi construída pela também canadense Enerflex, o primeiro projeto do gênero da empresa no Brasil, sob o modelo boom (build, own, operate and maintain), que prevê a construção, propriedade, operação e manutenção pela Enerflex. Em comunicado em setembro de 2018, quando anunciou o contrato com a fornecedora, a Alvopetro informou que pagaria uma taxa integrada de serviço de US$ 2,9 milhões por ano (em valores da época) por um período de dez anos. “Na nossa perspectiva, este formato reduziu de forma significativa o risco do projeto e permitiu à Alvopetro preservar seus recursos financeiros para a conclusão das parcelas remanescentes do empreendimento”, contaram os executivos à Brasil Energia.

Sobre a possibilidade prevista na Lei do Gás para compartilhamento de infraestruturas essenciais com terceiros, Corey e Oliveira convidam “qualquer parte interessada a entrar em contato com a Alvopetro a respeito disso”.

De acordo com eles, o tempo necessário para que a Alvopetro pudesse converter seu sucesso exploratório em produção e obter fluxo de caixa foi longo. “Como uma indústria, é essencial que este prazo possa ser reduzido, considerando a preciosidade do capital envolvido. Agora que podemos contar com a infraestrutura instalada, acreditamos ser possível reduzir esses prazos para futuras descobertas, o que também abrirá o caminho para outras empresas caminhando nesta direção”.

O futuro da petroquímica

O segmento químico é o maior consumidor industrial de gás natural no Brasil. Além do consumo como energia, o gás pode ser usado na indústria química como matéria-prima para fabricação de fertilizantes nitrogenados, metanol – usado na produção de biodiesel e resinas termorrígidas – e etano, que é insumo na petroquímica.

Rico em etano, o gás do pré-sal precisa ser processado em UPGNs para fazer a separação dos componentes e se adequar à norma da ANP, que estabelece 12% como o percentual máximo de etano no gás comercializado.

Para a indústria petroquímica, que se desenvolveu no Brasil utilizando a nafta como matéria-prima, o crescimento da produção do pré-sal é uma oportunidade para ampliar a utilização de etano. “Hoje, a Abiquim defende que o gás do pré-sal seja adequadamente separado em uma UPGN turbo-expansão porque existe demanda, uma parte da matéria-prima etano usada pela petroquímica é importada, então já haveria um suprimento para ser atendido no mercado local”, declarou a diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello.

Para a diretora, é necessário competitividade, que só deve acontecer quando os atores, além da Petrobras, que exploram e produzem no pré-sal realizem o tratamento do gás.

Hoje, apenas a UPGN de Cabiúnas separa o etano, abastecendo a fábrica Unib-4 da Braskem, em Duque de Caxias (RJ). Mas, segundo um estudo da Abiquim, as UPGNs dos polos Cacimbas, Catu, Pilar, Guamaré e Urucu possuem linhas de turbo-expansão – tecnologia indicada para o processamento de gases ricos.

No entanto, a associação escreve que as UPGNs no Espírito Santo, Bahia, Alagoas e Rio Grande do Norte provavelmente utilizam essa tecnologia para maior eficiência na separação de outros componentes, enquanto a UPGN de Urucu não deve separar o etano devido a sua localização. De acordo com a associação, a UPGN de Itaboraí terá três linhas de turbo-expansão, com capacidade de 7 milhões de m³/dia cada.

Contudo, está em debate a flexibilização da Resolução nº ANP 16/2008, o que pode aumentar os níveis etano no gás comercial, reduzindo sua separação. Segundo Coviello, esse modelo já está sendo testado na UPGN de Cabiúnas.