Leilões de rodovias podem somar R$ 72 bi em 2024

Governo federal fará revisão de projetos para atrair interesse privado, maior desafio atual

FONTE: Valor Econômico

Após um ano marcado pelo baixo interesse do setor privado nas licitações de rodovias, o mercado prevê um 2024 com mais leilões bem-sucedidos. As novas concessões programadas para o próximo ano poderão contratar R$ 72 bilhões de investimentos. No governo federal, há 13 projetos previstos – embora haja ceticismo em relação à viabilidade do calendário. O governo paulista também já marcou um leilão para abril, do Lote Litoral Paulista.

O maior desafio dos governos será atrair o setor privado, algo que se mostrou difícil nos últimos meses, apontam especialistas. Em novembro, o governo federal cancelou o leilão da BR-381, em Minas Gerais, por falta de interessados. Nos outros dois projetos federais licitados em 2023, a concorrência foi baixa: o Lote 1 do Paraná teve duas propostas, e o Lote 2, apenas uma.

No entanto, o governo já trabalha para ampliar a atratividade das novas concessões, revisando a matriz de riscos, a precificação das obras e a taxa de retorno dos projetos, segundo Viviane Esse, secretária nacional de Transporte Rodoviário.

No caso da BR-381, ela diz que seis grupos analisaram a concessão a fundo, mas os desafios elevados do projeto – em especial os riscos de engenharia em um trecho de serra – fizeram com que nenhum apresentasse proposta. Agora, a equipe irá voltar a discutir com o Tribunal de Contas da União (TCU) um maior compartilhamento dos riscos, o que o órgão inicialmente negou.

“Com essas modificações, além de correções de precificação e da TIR [taxa interna de retorno], vamos tornar o projeto adequado. O melhor é que quando há um número maior de concorrentes no leilão, qualquer assimetria é corrigida pelo deságio”, afirma.

As melhorias deverão ser adotadas nos demais projetos, diz ela. “Tudo o que for bom será replicado. Vamos padronizar o modelo econômico-financeiro, isso reduz o tempo da estruturação.”

Vamos tornar o projeto adequado. O leilão disputado corrige assimetria” — Viviane Esse

A meta de 13 leilões federais em 2024 é considerada muito ambiciosa pelo mercado, que no entanto vê com bons olhos o programa da União. A primeira licitação, segundo Esse, deverá ser feita em abril, da BR-040, entre Belo Horizonte e Juiz de Fora (MG). Também em abril já está marcado o leilão estadual da PPP do Lote Litoral Paulista.

Na avaliação de Marco Aurélio Barcelos, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), dois fatores foram determinantes para o baixo interesse nos últimos leilões: as taxas de retorno pouco atrativas e a visão de que os valores de investimentos dos projetos estão subestimados, devido ao sistema de precificação das obras, que está defasado. “Hoje os retornos estão pouco atrativos, é difícil um investidor estrangeiro decidir vir ao Brasil por essas taxas”, afirma.

Porém, isso não significa que não há interesse privado. Neste ano, o setor já viu o avanço de novos grupos e a mudança no perfil dos vencedores dos leilões – movimento que deverá se consolidar em 2024, segundo especialistas.

Em 2023, os grupos que conquistaram concessões de maior porte incluem: a Starboard, empresa especializada na reestruturação de ativos, que estreou no setor com a PPP do Rodoanel Norte; a EPR (formada pela Equipav e pela gestora Perfin), que levou um contrato menor em Minas Gerais e, no âmbito federal, o Lote 2 de rodovias do Paraná; e a gestora Pátria, que passou os últimos anos com baixa participação nos leilões, mas que neste ano disputou o Rodoanel Norte e conquistou o Lote 1 do Paraná. Além deles, a XP e a Acciona também chegaram a disputar o Rodoanel.

Outros grupos estrangeiros também têm analisado novos ativos no país, segundo fontes. Entre eles, estão chineses e espanhóis – além da Acciona, há a Sacyr (que já é operadora de uma concessão no Rio Grande do Sul, mas que tem encontrado dificuldades no projeto) e a OHLA (ex-OHL, que já operou no país e vendeu os ativos com bom retorno). A francesa Vinci, que no fim de 2022 entrou em rodovias ao comprar uma fatia de uma concessão do Pátria, também poderá ampliar sua atuação no mercado.

No entanto, na avaliação de Marcos Ganut, sócio-diretor da A&M (Alvarez & Marsal) Infra, não haverá nenhuma grande onda de novos entrantes em 2024. Sua projeção é que persistirá o cenário visto em 2023, com a expansão dos novos grupos e uma entrada pontual de investidores. “Não deverá haver surpresas, mas também não acredito que teremos leilões vazios. O leilão da BR-381 não é parâmetro, tem mercado disposto a absorver projetos.”

Não deverá haver surpresa em 2024, mas não acredito em leilões vazios” — Marcos Ganut

Os operadores mais tradicionais, CCR e Ecorodovias, que nos anos anteriores dominaram os grandes leilões, pisaram no freio em 2023. Para analistas, as empresas seguem estudando os leilões, mas com conservadorismo.

Para CCR e Ecorodovias, uma pauta importante em 2024 deverá ser a renegociação de seus contratos da MSVias e Eco101, respectivamente. As duas concessões, juntamente com a Arteris Fluminense, da Arteris, e a ViaBahia, da Roadis, estão em fase final de repactuação com o governo federal. O processo está em avaliação no Tribunal de Contas da União (TCU), e a expectativa do Ministério dos Transportes é concluir as renegociações em 2024.

Além destes, há outras sete concessionárias com problemas interessadas em aderir à repactuação: uma delas está em análise pela ANTT, três estão com a Infra S.A. (em um estágio anterior) e outros três grupos poderão protocolar os pedidos até o fim de 2023. A renegociação de contratos problemáticos foi a alternativa criada pelo governo federal e pelo TCU para resolver os passivos e viabilizar a permanência dos atuais operadores, substituindo o mecanismo da relicitação. “A principal vantagem é a antecipação das obras”, afirma Esse.

Para ela, a repactuação tende a trazer de volta investidores que deixaram de buscar novos ativos no Brasil devido aos passivos.

Procurada, a Arteris disse, em nota, que “entende como positiva a oportunidade de repactuação dos contratos de concessões rodoviárias federais” e que estuda novas propostas de repactuação. ViaBahia, CCR e Ecorodovias não se manifestaram. A reportagem procurou Acciona, Sacyr, OHLA e Vinci, mas não teve retorno.

Outra medida que o governo estuda para ampliar a concorrência nos leilões é a estruturação de blocos menores, com menos investimentos. O tamanho dos projetos é apontado como um entrave para atrair mais disputa.

“O mercado está saturado com projetos de grande extensão e grande volume de investimentos. Para a entrada de novos atores isso amplia significativamente o risco. Em outros países da região como Colômbia e Chile, vemos projetos de 100 km com disputa de sete concorrentes. É claro que não dá para transportar os modelos totalmente, há várias diferenças, mas sem dúvida a exposição financeira dificulta”, diz Frederico Ribeiro, sócio da Radar PPP.

Segundo Esse, os blocos ofertados em 2024 são de porte intermediário. Sem contar os lotes do Paraná, os projetos marcados para o ano preveem investimento entre R$ 2,7 bilhões e R$ 6,1 bilhões. “Em 2025, teremos uma gama maior, com investimentos variados e não tão altos”, diz ela.