A nova realidade da produção de petróleo e gás em terra

Desinvestimento da Petrobras abriu espaço para reestruturação do setor com as ‘junior oils’

FONTE: Valor Econômico

Em 2023, houve um aumento na produção de petróleo e gás onshore no Brasil, porém foi a primeira vez que a Petrobras não foi responsável pela maior parte dessa produção. Isso reflete a consolidação de uma nova realidade nesse setor, com a entrada em cena de diversas petroleiras independentes, também conhecidas como ‘junior oils’. Contudo, a manutenção da tendência de aumento, a realização de novas descobertas, a construção de novas infraestruturas e a dinamização econômica das regiões produtoras continuam a ser desafios significativos para essas petroleiras, que, diferentemente da Petrobras, possuem menor escala e capacidade financeira.

A produção terrestre de petróleo e gás vinha apresentando tendência de declínio desde 2004, quando atingiu seu auge produtivo com a marca de 348,2 mil barris de óleo equivalente por dia (mboe/d). Esse fato se relaciona diretamente ao amadurecimento de praticamente todas as bacias terrestres com longo histórico de produção e exploração. O ano de 2023 foi um dos poucos momentos na última década em que a trajetória de diminuição da produção foi interrompida.

De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a produção de petróleo e gás em terra, em 2023, foi de 212,6 mboe/d, o que representa um aumento de 2,9% em relação a 2022 e corresponde a 4,9% da produção nacional. A produção de petróleo atingiu uma média de 78,49 mil de barris por dia, enquanto a de gás natural foi em média 21,33 milhões de m³ por dia. As petroleiras independentes produziram em média 107,6 mboe/d, alcançando a marca de 50,4% da produção onshore, superando pela primeira vez a produção terrestre da Petrobras, que foi em média 105,4 mboe/d. O gráfico apresenta a evolução desses números ao longo da última década.

A nova configuração do onshore brasileiro está intimamente associada à mudança estratégica implementada pela Petrobras. A partir de 2015, a estatal promoveu um redirecionamento geográfico de suas operações e passou a priorizar as bacias do Sudeste, em especial, os ativos de alta produtividade no pré-sal. Todos os campos terrestres, nesse contexto, foram inseridos na política de desinvestimentos da companhia.

Esse movimento abriu espaço para uma verdadeira reestruturação do segmento, marcada pela expansão de petroleiras independentes que adquiriram campos anteriormente pertencentes à Petrobras. Em 2023, a estatal suspendeu a venda dos seus últimos ativos terrestres, o Polo Bahia, com 28 campos na bacia do Recôncavo, e o Polo de Urucu, com sete campos na bacia do Solimões.

Além da política de desinvestimento, a Petrobras também reduziu o volume de investimentos no setor. A estatal perfurou seus últimos poços em terra em 2019. O último poço pioneiro perfurado em terra foi ainda em 2018. Além disso, a última aquisição de bloco exploratório nesse ambiente foi em 2017 na bacia do Paraná no contexto da 14ª Rodada de Concessão da ANP. Isso evidencia não só a redução dos aportes no onshore, mas também um relativo desinteresse da Petrobras por esses ativos – estratégia também observada entre outras grandes petroleiras multinacionais que atuam no Brasil, como Shell, Total, Repsol, Equinor, ExxonMobil, etc.

As petroleiras independentes ganharam espaço com os desinvestimentos da Petrobras. Ao adquirir os ativos da estatal, elas evitaram os altos custos iniciais associados às atividades de exploração e desenvolvimento de novos campos. No entanto, enfrentam o desafio de revitalizá-los, o que demanda robustos investimentos. Apesar disso, essas empresas têm demonstrado grande interesse em expandir suas atividades no segmento. Uma mostra dessa intenção é a aquisição de dezenas de ativos exploratórios em leilões promovidos pela ANP ao longo dos últimos anos, bem como a perfuração de 130 poços em terra somente em 2023, dos quais 112 foram destinados ao desenvolvimento e 10 foram pioneiros.

A produção terrestre de petróleo e gás no Brasil tem recebido vários estímulos nos últimos anos. Destaca-se nesse contexto as medidas adotadas pela ANP para a redução dos royalties incidentes sobre os resultados dessas áreas como incentivo à produção incremental de campos maduros (Resolução 749/2018) e a diminuição de alíquotas de royalties para pequenas e médias petroleiras (Resolução 853/2021). De modo geral, esses incentivos favorecem as operações das independentes, no entanto, representam potenciais perdas financeiras para os governos, municipais e estaduais.

A Petrobras, de acordo com seu plano estratégico atual (PE 2024-2028+), não planeja expandir suas operações em terra. Apesar da menor rentabilidade em comparação aos campos do pré-sal, o onshore ainda oferece oportunidades relevantes para a estatal desenvolver novas tecnologias, como por exemplo, iniciativas de descarbonização e captura de carbono. Além disso, devido à sua escala e poder financeiro, a Petrobras tem condições de absorver os custos de produção mesmo em contextos de queda do preço do petróleo, garantindo a continuidade das operações no onshore e contribuindo assim de maneira perene para o desenvolvimento local e regional.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), por meio do Plano Decenal de Expansão de Energia 2032, prevê um crescimento de mais de 40% na produção de petróleo e gás em terra até 2032, com a maior parte desses recursos provenientes de novas descobertas. Apesar de relativamente pequena em comparação com a produção nacional, esse aumento pode contribuir para o desenvolvimento econômico regional e ajudar a suprir parte da demanda futura, especialmente de gás, em um cenário nacional de crescimento econômico.

No entanto, considerando que esse setor requer medidas sólidas de descarbonização e que sua recente dinamização pode gerar expressivos impactos ambientais, é crucial que se busque um alinhamento com a nova política industrial do país e a legislação ambiental nacional. A Petrobras, enquanto empresa estatal e verticalizada, poderia desempenhar um papel importante nesse processo.

Francismar Ferreira é Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisador da área de Exploração e Produção do Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).