A quem interessam as térmicas desconectadas?
Térmicas desconectadas não interessam ao país nem ao setor elétrico. São um excelente negócio para amortizar terminais de GNL ou rentabilizar o by-pass do sistema de transporte, modelos que não fazem sentido para dar competitividade à indústria, escreve Cristina Sayão
FONTE: Eixos.com.
Causa certa surpresa a reação sobre uma das propostas, recentemente aventadas, para que a recuperação dos custos com a garantia da segurança de abastecimento para as térmicas vencedoras dos leilões de reserva de capacidade de potência não fosse considerada como critério de competitividade no certame.
As usinas térmicas quando desconectadas da malha de transporte de gás trazem forte variação de preços ao consumidor devido à volatilidade do preço internacional do gás natural liquefeito (GNL) a que estão submetidas.
Elas também trazem insegurança física de abastecimento, pois necessitam de navios para o suprimento deste combustível.
Essas variações de preço e incerteza no suprimento de GNL atuam ao contrário do que se espera da contratação em um leilão de reserva de potência: aumento da robustez do sistema elétrico, com o máximo de potência disponível, da forma mais rápida e confiável possível com previsão e estabilidade de preços.
Logo, essa reação nos leva a refletir sobre quem são os agentes interessados na defesa do modelo de térmicas não conectadas ao transporte.
Vamos começar pelo propósito da contratação e pelos custos atualmente suportados pelos usuários da rede de eletricidade para avaliarmos a eficiência da contratação das térmicas desconectadas nos estados em que há disponibilidade de infraestrutura de transporte.
Você sabia que o custo operacional de um navio é de cerca de US$ 50 milhões ao ano?
E que este custo é incluído na Receita Fixa (RF) destes agentes, que assim conseguem viabilizar toda sua operação por meio de contratos de longo prazo dedicados exclusivamente ao atendimento de usinas térmicas quando não conectadas ao sistema de transporte?
Apenas nos últimos cinco anos, os contratos de aluguel desses navios, incluídos na RF paga pelos consumidores do setor elétrico, consumiram mais de US$ 1,2 bilhão da conta paga pelos brasileiros.
Além disso, o gás natural fornecido por esses navios não é produzido no Brasil. Enquanto temos reservas abundantes de gás e oportunidade de gerar renda, emprego e royalties no país, ao privilegiar o uso de terminais desconectados da malha, consome-se o gás produzido em outros países, deixando o valor agregado no processo industrial lá fora.
Isto contribui para o déficit em nossa balança comercial e cria incerteza acerca dos preços que os consumidores pagarão pelo uso da eletricidade.
É de conhecimento de todos as turbulências internacionais que trouxeram forte variação ao preço do GNL nos últimos anos, como as guerras, por exemplo, fazendo com que o despacho das usinas térmicas com gás importado traga grande volatilidade de preços na conta de luz associada com a incerteza de disponibilidade de cargas de GNL.
Afinal, os preços de GNL resultantes do leilão de capacidade são em geral indexados aos preços internacionais, os quais são inteiramente repassados aos usuários do sistema conforme sua cotação spot.
Além de pagarmos pelos custos fixos dos aluguéis dos navios de antemão, estamos ainda expostos à variação do preço do combustível em si própria, atrelada a fatores externos difíceis de prever.
Cabe salientar que sempre que o gás natural do navio não estiver disponível, a contrapartida é o despacho por fontes mais caras ou poluentes, reduzindo assim a eficácia do mecanismo de leilão. E o consumidor acaba pagando por uma Receita Fixa para os investidores de algo que não sabe se pode contar.
Este é o caso não apenas da indisponibilidade de chegada de cargas até o porto, como da ocorrência de falhas técnicas na conexão para saída da carga de GNL do navio, como a ocorrida recentemente em Sergipe.
Neste caso, se não houvesse a conexão da térmica ao sistema de transporte de gás natural, o sistema elétrico nacional teria despachado outra fonte geradora, de custo mais elevado e fora da ordem de mérito.
A conexão da usina térmica à malha de transporte de gás fez com que o combustível brasileiro, necessário para a estabilização do sistema elétrico, fosse fornecido de maneira imediata e mais eficiente, superando a falha de suprimento do navio.