Empresas redirecionam capital diante de crise das renováveis
Cortes na geração, sobreoferta de energia, juros altos e incertezas regulatórias provocam migração de capital para setores como transmissão, crédito de carbono e renda fixa
FONTE: Valor Econômico.
Diante de um cenário cada vez mais adverso para os projetos de geração de energia renovável no Brasil, grandes empresas e investidores estão repensando suas estratégias e redirecionando capital para setores com maior estabilidade e retorno financeiro.
A combinação de fatores como cortes forçados na produção de energia (“curtailment”), sobreoferta de eletricidade, dificuldade na contratação de novos projetos e o atual patamar de juros elevados no país tem afetado a atratividade de empreendimentos eólicos e solares – especialmente em projetos novos (“greenfield”).
Até mesmo gestoras que antes viam a energia renovável como prioridade têm buscado alternativas. A canadense Brookfield, que historicamente fez grandes aportes em renováveis, direcionou o foco para ativos florestais e mercado de crédito de carbono, que também se mostram promissores na transição energética global, mas oferecem retorno de longo prazo com menor exposição regulatória.
Farhat, da CDPQ: “Não acredito em geração de energia baseada em subsídios” — Foto: Gabriel Reis/Valor
“Recentemente, avançamos bastante em uma conversa de reflorestamento e venda de crédito de carbono”, afirma André Flores, diretor da área de energia renovável e transição da Brookfield. “É a primeira vez que estamos, de fato, fazendo uma diligência na busca de um novo parceiro”, acrescenta.
Dina Storch, diretora executiva de investimentos em energia renovável e transição da gestora, lembra que o Brasil tem importantes biomas com áreas que já foram desmatadas e há um aumento de demanda de empresas que fizeram compromissos de descarbonização e estão interessadas nestes créditos em contratos de longo prazo.
“Temos visto o interesse de empresas que querem compensar emissões difíceis de prevenir. Então essa compensação é por meio de créditos de carbono em projetos de grande integridade”, diz. A executiva lembra que a Brookfield lançou recentemente um fundo de até US$ 5 bilhões focado em mercados emergentes, como Brasil e Índia e os investimentos podem vir deste fundo.
Especialistas já vinham alertando que, em virtude do excesso de subsídios, os investimentos em geração cresceram mais que o consumo de eletricidade. Hoje, os projetos renováveis ficam prontos em no máximo 18 meses, enquanto as linhas de transmissão para escoar a energia demoram entre 48 e 60 meses.
Esse descasamento fez a Enel Brasil desistir de projetos solares. Os recursos não vão ficar parados – estão apenas indo para onde a matemática e o risco fazem mais sentido. Ao Valor, a empresa disse que decidiu concentrar seus investimentos principalmente em redes, com o objetivo de modernizá-las, digitalizá-las e torná-las cada vez mais resilientes, “adotando uma abordagem mais seletiva em relação às fontes renováveis”.
A desistência de projetos tem se tornado algo comum no setor. A AurenCotação de Auren cancelou projetos eólicos na Bahia e a Shell confirmou que descontinuou projetos de energia eólica e solar no Brasil. Outro exemplo é a AluparCotação de Alupar, que previa construir 214 megawatts (MW) em projetos eólicos no Brasil, mas instalou apenas 63 MW, alegando a sobreoferta de energia no país e a dificuldade em firmar contratos. A empresa está mais comprometida em concluir projetos de transmissão na América Latima.
“Existe uma sobreoferta no Brasil. Criou-se uma corrida pelas outorgas quando colocaram o limite de prazo para as empresas terem benefícios do desconto da Tust [tarifa pelo uso do sistema de transmissão]. Foi a ‘corrida do ouro’”, diz Luiz Coimbra, diretor de relações com investidores da Alupar.
O responsável pela área de energia e infraestrutura da butique de investimentos Araújo Fontes, Márcio Santiago, diz que projetos de transmissão para escoamento da energia gerada no Nordeste e projetos de bateria para mitigar a intermitência da solar e eólica são segmentos que têm atraído capital, justamente por oferecerem previsibilidade de receita, contratos de longo prazo e menor exposição à volatilidade do mercado livre de energia.
Ele lembra ainda que o setor de geração distribuída tem atraído atenção de investidores, já que o segmento adicionou, em média, 10 gigawatts (GW) de capacidade instalada por ano nos últimos 3 anos. Grupos como Patria, Squared, BlackRock, Brookfield, entre outros, entraram no segmento.
Limite de prazo para desconto na tarifa gerou corrida por outorgas” Luiz Coimbra
No caso da CDPQ, o caminho é outro. Eduardo Farhat, executivo-chefe que lidera as operações do fundo no Brasil, diz que energia é um setor chave, mas não pretende entrar em geração distribuída. “Não acredito em geração de energia baseada em subsídios”, diz Farhat.
Ele frisa que está aberto a oportunidades em geração, mas nenhuma transação ocorreu devido à percepção de risco e retorno. Farhat avalia que o cenário é conjuntural, influenciado por uma combinação de fatores como instabilidade regulatória e subsídios que distorcem os sinais de mercado, elementos que comprometem a previsibilidade e dificultam a formação de preços que justifiquem novos investimentos.
As apostas do CDPQ em novas frentes de atuação focam nas plataformas da Verene Energia, da área de transmissão; e da TAG, de transporte de gás natural. O negócio mais recente ocorreu em maio, quando a Verene comprou toda a sua unidade de transmissão da EquatorialCotação de Equatorial em um negócio estimado em R$ 9,4 bilhões.
O Valor apurou recentemente que a Equatorial também colocou dois parques eólicos da Echoenergia à venda. O motivo, segundo fontes, seria uma reorganização do portfólio, além de canalizar recursos à recém-privatizada SabespCotação de Sabesp. A empresa não quis se manifestar sobre o assunto.
O cenário também pegou as petroleiras que vinham diversificando seus portfólios com energia limpa. A PetrobrasCotação de Petrobras revisou seu Plano Estratégico 2024-2029, com investimentos de US$ 111 bilhões, com foco em petróleo e gás. Na revisão, o investimento em projetos de baixo carbono aumentou 49% e a empresa assumiu o compromisso de voltar ao etanol. No entanto, no que se refere à geração de energia renovável em terra (eólica e solar), o documento menciona apenas a realização de estudos e projetos.
A BP e a Equinor seguiram caminho semelhante, e comunicaram ao mercado recuos nos compromissos com geração renovável e reforço nas operações fósseis.
Além disso, com a Selic em patamar elevado, os investidores têm migrado para ativos de renda fixa, como debêntures incentivadas, títulos públicos IPCA+ e fundos de crédito privado. Com a escalada dos juros, os investidores foram em bando para os fundos de renda fixa, que captaram R$ 242,98 bilhões em 2024, o maior valor da história da categoria em um ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Marcelo Girão, chefe de project finance do ItaúCotação de Itaú BBA, explica que o custo de capital afeta todos os setores, por isso a decisão de investimento fica mais alongada, já que são poucas oportunidades que remuneram o custo de capital, que está mais alto hoje.
“Vemos a indústria de fundos de crédito crescendo em captações ao longo deste período motivado pelo custo de capital mais alto e, comparativamente com o ‘equity’, o dinheiro do investidor está caminhando mais para renda fixa e crédito privado”, explica.
O último IPO realizado no Brasil ocorreu em 2021, com a abertura de capital do Nubank. No setor de energia, a última empresa a fazer uma oferta pública inicial foi a Focus, também em 2021, conforme dados do Valor Data. No ano seguinte, a companhia foi incorporada pela EnevaCotação de Eneva.
Especialistas dizem que isso é reflexo do alto custo de capital, que para algumas empresas é maior que o Ebitda, ou seja, o custo é tão elevado que supera até mesmo o lucro que a empresa conseguiria gerar com suas operações.