Combustíveis no vai e vem da Ferrogrão
FONTE: Brasil Energia
Embora o escoamento de derivados de petróleo e biocombustíveis não seja o carro-chefe da ferrovia, o mercado de combustíveis líquidos poderá se beneficiar do novo modal de transporte
Uma das grandes obras de logística de transporte esperadas para entrar no processo de concessões em 2021, a Ferrogrão promete criar um corredor estratégico de escoamento de grãos, mas também de movimentação de combustíveis, com ganhos de capilaridade e de custos.
O projeto prevê a construção de uma ferrovia de 933 quilômetros de extensão para desenvolvimento de um corredor logístico na região Centro-Oeste, ligando a cidade de Sinop (MT) a Miritituba (PA). Segundo estimativa do governo federal, a obra deverá ter custo total de R$ 21,5 bilhões.
“Nos estudos que fizemos para a descida de diesel e subida de etanol, a redução de custo com a utilização da ferrovia foi de 22% em relação à rodovia. Além disso, no futuro, a ferrovia será responsável por transportar entre 10 e 16% do volume de líquidos no modal ferroviário no país”, destacou Marcus D´Elia, sócio-diretor da Leggio. A Leggio Consultoria realizou um estudo comparando o projeto com a opção via BR-163 e simulou custos de movimentação de derivados na região com e sem a ferrovia.
Em 2030, a Ferrogrão deverá transportar cerca de 2,5 milhões de m³ de combustíveis. O trecho de Sinop a Miritituba tem potencial de movimentar mais de 300 mil m³ de etanol, a fim de atender à demanda de biocombustíveis da Região Norte.
Além da rota ferroviária até Miritituba, existe ainda um trecho hidroviário (cerca de 200 km) até Santarém (PA) e outras bases da região.
Já na rota inversa aos granéis agrícolas e aos biocombustíveis (Miritituba/Sinop), a ferrovia possui potencial para transportar aproximadamente 2 milhões de m³ de derivados (gasolina e principalmente diesel), com o objetivo de atender de forma mais eficiente o norte do Mato Grosso.
Para consultores em infraestrutura logística, a modelagem do projeto é promissora para líquidos, tanto biocombustíveis quanto para derivados, pois cria um novo fluxo e permite maior flexibilidade levando produtos nos sentidos Norte e Sul. Além de melhorar a eficiência no escoamento, a Ferrogrão deve contribuir para a redução dos custos dos combustíveis.
“Este será um novo corredor logístico com capacidade de transportar volumes significativos de combustíveis, ligando o Centro-Oeste à região Norte, através do Porto de Santarém. Hoje, parte desse trajeto é feito pela rodovia BR 163, um modal de baixa eficiência e poluente — inclusive, não era asfaltada até poucos anos atrás. Outra parte do trajeto é feita via hidrovia. O projeto da Ferrogrão substitui rotas rodoviárias e reduz a distância para a movimentação de etanol, por exemplo, que hoje precisa ser transportado por Porto Velho”, diz Marcus D´Elia.
Já na avaliação da Leggio, a Ferrogrão é competitiva em relação à ferrovia Norte-Sul, por exemplo, que teve primeiro trecho inaugurado em março de 2021, e ligará Estrela D´Oeste (SP) a Porto Nacional (TO), conectando um corredor logístico até os portos da região Norte.
Paula Arantes, especialista em óleo e gás da consultoria Ilos, acredita que a Ferrogrão será uma alternativa interessante para internalização e escoamento de combustíveis, principalmente porque, a partir de 2018, com mudanças na política de preço dos combustíveis e aumento na importação de derivados, houve pequena alteração nos volumes e fluxos de escoamento na região.
“Com a nova política de preços e o aumento da importação, Rondônia e Mato Grosso começaram a ser atendidos via Amazonas, descendo por Miritituba e também pela BR 163. Esse fluxo (Arco Norte/Mato Grosso) já acontece, mas não é muito regular. Depende de janelas de oportunidades”, diz Paula.
A especialista estima que o custo do frete de combustíveis na Ferrogrão deve apresentar uma redução de até 30%, quando se compara o escoamento via BR 163. “E, do ponto de vista do custo do produto importado pelo Arco Norte, essa queda será de aproximadamente 5%. Por mais que a BR 163 tenha investimentos, não é uma via com tráfego tão bom. Há muita chuva e os caminhões ficam parados às vezes por dias. Fica muito custoso e em alguns casos se torna inviável”.
Por ser mais eficiente e barata, a ferrovia oferece mais segurança, garantindo a entrega do volume programado, e isso poderá até impactar o estoque das distribuidoras, avalia a Ilos. A partir de uma maior previsibilidade da movimentação regular dos produtos, as empresas poderão gerir melhor os volumes armazenados, equilibrando os fluxos financeiros.
Além da internalização dos combustíveis importados, Paula Arantes avalia que o movimento de exportação do etanol produzido na região Centro-Oeste via Arco Norte poderá se fortalecer, especialmente para o mercado norte-americano. “No norte do Mato Grosso o etanol produzido é o de milho. Melhor posicionado geograficamente tem potencial para atender a região Norte e exportação para os EUA”, ressalta.
A ferrovia poderá tornar o etanol ainda mais competitivo no Centro-Oeste para o consumidor local já que, segundo levantamento do Índice de Preços da Ticket Log, do grupo Edenred, de soluções de serviços e pagamentos, o preço médio do combustível na região, R$ 4,53 (mês de maio), já é o mais baixo que o praticado no Sudeste, R$ 4,77, maior mercado do país.
A BR Distribuidora, maior do país no segmento de distribuição, também enxerga com bons olhos a Ferrogrão, que segundo a empresa reduzirá os custos logísticos de transporte, realizado atualmente pela BR-163. Além disso, estima uma redução da ordem de 20% (frete rodoviário vs frete ferroviário).
“Com o estado do Mato Grosso reforçando sua produção de etanol e biodiesel, uma ferrovia ligando Sinop (MT) a Miritituba (PA) pode contribuir para a chegada dos biocombustíveis a preços mais competitivos no Pará, integrando logisticamente os modais ferroviário e fluvial, podendo impactar positivamente os polos de Belém e Manaus”, informou a BR à Brasil Energia.
De acordo com a distribuidora, os fluxos contrários de derivados de petróleo também poderão ser beneficiados, com a utilização de balsas até Miritituba (PA) e da ferrovia até o Mato Grosso.
Além de ganhos em custos do frete em relação à rodovia, a Ferrogrão ampliará a capilaridade de escoamento e apresenta uma vantagem ambiental em comparação ao modal rodoviário da BR-163. “Historicamente rodovias criam experiências ambientais complicadas, ocupações ilegais, desmatamento. A ferrovia tem efeito contrário, porque não tem fluxo de pessoas ali, somente cargas. Basicamente tem o mesmo impacto na construção, mas sem os malefícios que as rodovias trazem”, explica D’Elia.
Entretanto, o projeto não é unanimidade. Segundo Cláudio Frischtak, fundador da Inter B consultoria, os números submetidos ao TCU pelo governo federal em relação a custos e retorno do projeto passam longe do que seria o cenário real para o desenvolvimento da concessão. Para ele, o projeto não tem retorno no formato apresentado. “A menos que se coloque recursos públicos. Aí não é concessão, mas sim uma PPP”.
Em relação à construção, Frischtak cita que a Transnordestina levará 20 anos para ser concluída em um ambiente muito mais simples. “No caso da Ferrogrão, há 72 quilômetros dentro de um parque nacional e, ainda, um erro de projeto, onde ao menos dois quilômetros estão submersos durante alguns meses do ano devido às chuvas. A nossa experiência em construir ferrovias é péssima, e some-se a isso o fato de construir na Amazônia”.
Porém, caso o projeto saia do papel, Frischtak crê em ganhos de capacidade, mas pontua que serão necessários investimentos em outras infraestruturas para que o fluxo atendido pela Ferrogrão funcione plenamente. “Temos problemas na saída em Miritituba, porque hoje há engarrafamento lá. Também é preciso modernizar as rodovias 163, 364 e a saída nos portos. Seriam necessárias melhorias”.
Impasse
O projeto da Ferrogrão enfrenta resistência por conta de possíveis impactos sócio-ambientais. O Ministério Público Federal questionou a falta de diálogo do governo com a comunidade indígena, e o STF concedeu liminar suspendendo o processo. Existe ainda questionamentos sobre gastos que possam recair sobre o governo federal.
Incluído no PPI (Programa de Parcerias e Investimentos) em 2016 como uma opção de escoamento de grãos e outros produtos, o certame do projeto era esperado para o segundo trimestre. Mas as disputas jurídicas deixam incertezas sobre o leilão.